CAPÍTULO QUARENTA - DE VOLTA A CASA

Ao fim de pouco mais de três meses Alberto fechou a conta e a familia regressou à casa renovada.
Maria da Luz apenas tinha ido por uma vez ver o decurso das obras mas perante o jardim devassado não quisera lá voltar.
Agora era tempo de subir a escadaria que Alberto lhe prometera, mas o desânimo das suas rosas plantadas e escolhidas com Joaquim, a pregadeira achada de D.Lídia, condicionaram-lhe a plenitude do que podería sentir no regresso.
Depois, a alteração dos cómodos com o seu quarto no piso superior fazíam-na sentir num ambiente estranho, o cheiro de tintas ainda frescas retirara todo o passado olfactivo que tinha das suas coisas. Procurou o seu caderno, encontrou-o na cesta das lãs onde o tinha deixado, uma fina película de pó a conservá-lo, intocável.
Alberto deu-lhe carta branca para comprar novos cortinados, tapetes, o que ela quisesse.
Animou-se com a novidade.
- E o jardim?
- Que tem?
- Que tem?! Achas que aquilo é um jardim? É um terreno esburacado!
- Teremos que contratar um jardineiro.
- E o Joaquim?
- Ora! Vou lá eu saber o que é feito desse pobre diabo!
- Que queres dizer com isso?
- Que não vou estar à espera que ele apareça. Teremos que arranjar outro.
- Mas eu estava tão habituada ao Joaquim...
- Maria da Luz, esse Joaquim não é o único jardineiro do mundo! Que se passa?
- Nada, nada! Mas ele percebía das minhas rosas...
- E outro virá que também perceba. Deixa, não te rales, eu trato de arranjar um homem para cuidar do teu jardim.
- Quem?
- Sei lá quem! Tens cada uma Maria da Luz!
- Podías procurar o Joaquim...
- Mas que raio! Outra vez?! Que interesse é esse pelo Joaquim?
- Nenhum! Nenhum!
Maria da Luz sentiu o rosto a escaldar-se, quase teve medo de Alberto.

CAPÍTULO TRINTA E NOVE - O QUE DIZ O MAR

Alojaram-se num hotel com vista para a baía de Cascais. Maria da Luz ocupava o seu tempo entre bordados e o peitoril da varanda. Embevecía-se com o pôr-do-sol e deixava a imaginação fluír e arrastar-se como o astro, até se esconder na linha do horizonte e entrar na noite. Era quando ouvía Alberto chamá-la para dentro. Achava então, que despertava de um sonho lindo e que a sua realidade de esposa e mãe eram tão pouco perante a grandiosidade do mar a receber o final do dia.
Suspirava.
Enquanto se preparava para descerem para o restaurante, em frente ao espelho compondo o cabelo que ondulara pela aragem maritima, recordava o seu caderno e quanto fora leviana ao dispensar os seus versos simples, e até mesmo o seu diário.
Sentía saudades de casa, da segurança do seu quarto, dos seus cigarros enrolados em mão trémula quando o pensamento lhe escapava para outras latitudes.
Agora entendía-se.
Percebía em si o gosto da partida e o quanto desejava conhecer mundo. Imaginava-se de mão dada com Rosmaninho a bordo de um grande navio, o chapéu de abas largas com fita a condizer com o vestido vermelho de bolinhas brancas. Tudo a esvoaçar como uma imagem que de si mesma assistisse. Interrogava-se porque não vía os gémeos e o marido a seu lado nessa viagem.
Entristecía-se.
A vida que parecía invejável aos olhos dos outros era uma âncora na sua.
- Não fiques assim triste Maria da Luz. Daqui a nada voltaremos a AM'art e verás como está linda!
Mas Alberto não a sossegava, só ouvía as ondas do mar.